terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Dantas e o capital financeiro-agrícola

Carlos Tautz
Efeito collateral da Satiagraha: a Polícia Federal descobriu indícios de que Daniel Dantas lavaria dinheiro através do investimento na mineradora Global Miner Exploration (GME), que ainda por cima operaria ilegalmente em áreas de proteção ambiental e em reservas indígenas no Pará.
Essa descoberta vem na sequência de outras revelações a respeito dos novos negócios de Dantas. O banqueiro, também proprietário de empresas de telefonia, está erguendo um verdadeiro império na pecuária de exportação e já seria o maior criador de gado no Brasil – talvez um dos maiores do mundo.
O Banco Opportunity, pertencente a Dantas, controla mais de 60% do capital da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, que possui pelo menos 500 mil cabeças de gado e atua no sul do Pará. Somadas, as áreas da Agropecuária chegam a 510 mil hectares – equivalente a três vezes a extensão do município de São Paulo, segundo apurou o jornal Valor Econômico.
Base do grupo, essa região paraense há décadas é palco de amplos e dramáticos conflitos agrários, assassinatos de sindicalistas e ambientalistas. É também o principal foco da grilagem e do trabalho escravo no Brasil. Concentra grandes propriedades que desrespeitam a legislação fundiária e ambiental.
O superintendente regional do Incra em Marabá (PA), Raimundo Oliveira, disse ao Valor que "o saldo desta pecuária "extremamente extensiva" são "áreas degradadas, solos empobrecidos e a pecuária demandando cada vez mais terras".
Segundo Oliveira, é raro encontrar uma propriedade que obedeça o percentual de 80% de reserva legal estabelecido por lei para a região. Aliás, o presidente nacional do Incra, Rolf Hackbart, e o Ministro Mangabeira Unger, vêm alertando para a urgência de se regularizar a situação fundiária no Brasil, em especial na região norte, onde se compra e se vende terra, quase sempre pública, sem qualquer controle.
Não é novidade a migração de empresas sofisticadas economicamente para o setor primário. A rigor, não há grupo financeiro no Brasil que não lastreie suas operações econômicas em atividades de extração intensiva de recursos naturais. É nesse contexto que as empresas de Daniel Dantas chegam à mineração e à pecuária praticadas em regiões de baixa institucionalidade, onde as relações – trabalhistas, de produção, ambientais etc – são típicas do século 17.
A "modernidade" dessa diversificação de atividades por parte de grande grupos empresariais está em outra perspectiva. As empresas financeiras superaram há muito a estratégia de adquirir vastas porções do território apenas como reserva de valor. Agora, elas utilizam a terra em um sistema de produção verticalizada, para alcançar rentabilidade em altíssima escala. Regra geral, o sistema se processa da seguinte maneira.
Uma grande empresa se capitaliza - vamos dizer, no setor financeiro – e adquire grandes áreas agrícolas (muitas vezes nessas áreas de sombra, onde não é clara a titularidade da propriedade) e passa a produzir commodities agrícolas ou minerais voltadas para atender ao mercado internacional. Muitas vezes, essa empresa agrícola vincula-se a um pequeno número de grandes atravessadores internacionais.
No setor de alimentos, por exemplo, não passam de meia dúzia. Empresas como a ADM, Cargill e Bunge, todas multinacionais, controlam o mercado global de comida. São esses traders (em associação com grupos menores, como o Grupo Maggi, do governador do Mato Grosso), em associação com as empresas financeiro-agrícolas que especulam em larga escala, que estão entre os culpados pela atual crise induzida do preço dos alimentos. Ao controlar toda a cadeia de produção – a produção primária, a intermediação e a especulação final –, alcançam uma rentabilidade sem precedente e o poder de definir a duração e a profundidade dos ciclos de disponibilidade e de preço das commodities.
Como no Brasil todos os insumos para as indústrias agrícolas ou são desregulados, ou são baratos, ou são gratuitos, grandes empresas, especuladores institucionais e individuais e aventureiros interessados exclusivamente na multiplicação imediata, desregrada e vertiginosa de seus recursos atuam desembaraçadamente. Contam com incentivos e fundos públicos subsidiados, como acontece agora a indústria do etanol, que não pára de atrair forasteiros de todos os tipos. Eles "investem" no Brasil com recursos disponibilizados pelo Banco do Brasil, BNDES etc etc.
A equação do capitalismo financeiro-agrícola, o legal e o ilegal, parte da ultraexploração dos recursos naturais, incluindo desflorestamento em alta escala, e chega ao controle do mercado internacional de matérias primas, utilizando tanto dinheiro lícito quanto ilegal. Ao longo dessa cadeia, recebe o apoio de alguma instância do Estado. Termina controlando a oferta mundial até de alimentos, enquanto os governantes têm a capacidade de afirmar que o preço da comida aumenta porque mais gente come. Será o caso de taparmos a boca dos pobres para manter a modicidade dos preços?
Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

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